domingo, 17 de outubro de 2021

Cada um na sua maratona, com algumas coisas em comum

Talvez seja o fato de ser psicóloga, talvez seja o fato de trabalhar há 16 anos, em análise, as emoções e olhar atentamente cada experiência...
Mas, ultimamente, vejo as situações da vida como um espaço para sentir, pensar, experimentar algo novo e sair diferente.
Veja que escolhi a palavra diferente. Porque não sei e, nem quero julgar, se saímos melhor ou pior, acho que a gente sempre sai diferente de uma experiência. 
Hoje, recebi vídeos e fotos do Pietro, marido da Cléo, na maratona de Paris.
Cléo comentou que viu pessoas machucadas, luxações, choro, exaustão.
Pessoas não podem ir pra uma maratona sem preparo físico, preparo mental, sem uma estratégia, sem um caminho, sem ter fortalecido o corpo pra enfrentar tantos km para os quais o corpo humano não foi feito.
A maratona é uma zona de esforço extremo.
Exige reprogramação do corpo, da alimentação, da hidratação, dos pensamentos e dos próprios limites.
Tudo isso pra suportar e conquistar a chegada, que representa ter passado por lugares da experiência, dos pensamentos, das emoções e sentimentos que não se viveria sem ter que correr no extremo. 
Por tudo isso, Pietro estava ansioso, ele sabia que visitaria a exaustão na prova. Falei com ele rapidamente no dia anterior valorizando o processo que ele viveu, pq o processo dele já foi mágico. 
Mas ele queria a chegada, o desejo dele era cruzar a linha de chegada.
Por quais pensamentos ele passou nos treinos? Que sensações ele viveu ouvindo a passada, tomando o fôlego em cada dia que correu? 
Qual o valor da corrida num tempo de pandemia, pra um homem, fora de seu país? Sendo um italiano, médico e aberto à música e experiência cultural brasileira, o que ele enfrentou correndo em meio à pandemia quando o país dele era marcado pela dor das cenas mais difíceis que vivemos no início da covid? 
O que a corrida fez por ele? O que ele venceu pra fazer a corrida? 
O que ele ganhou quando trocou experiências com um Iron men brasileiro, do interior de SP, q conheceu? O que sentiu quando chegou à Paris após a covid contraída tão próxima da prova e que roubou segundos do seu desempenho? O que viveu quando Cléo gritou seu nome ao fim da corrida? 
Essa vivência fez ele viver coisas que não imagino e talvez ele nem tenha pensado todas essas perguntas, que são minhas, sobre a experiência dele... 
Enquanto isso, aqui no Brasil, ontem me refugiei nos patins. Patinar me obriga a estar presente. Não me concentrar nos ângulo dos meus pés, ao meu redor, não pensar na angulação dos meus joelhos ou na velocidade que estou pra patinar em determinados pontos, me desequilibra.
Patinar não me é automático, o treino inscreve esse automático, aos poucos, no meu corpo; mas não está inscrito por completo.
Estar nos patins é vento no corpo, é coração disparado quando desequilibro, é sensação de calor quando sinto que poderia cair, mas é, principalmente, estar muito feliz de viver aquilo, é gratidão por estar conseguido. 
É pensar que desejaria que qualquer pessoa vivesse momentos na vida em que fizesse sentido ela fazer algo porque se sente bem. Porque é assim que me sinto quando patino.
Quando patino, ouço música e sinto o desejo de acompanhar o que ouço e as emoções que dançam em mim tentando deslizar na mesma sintonia.
Patinar me refugia do mundo, me coloca no centro de mim. 
É viver a sensação de patinar 40 minutos e pensar: Preciso parar,  mas não quero!
Patinando estou atenta a mim e a todos os lugares que visito nos meus pensamentos. Processo o que tenho vivido, penso no bom e no ruim do que vivo, enquanto deslizo.
Quando quase caio estudo o que senti, se senti por mim ou por vergonha de que vissem minha falha. E quando consigo patinar bem, penso em como é quando a vida vai sem falhas, sem poréns. 
Da última vez que patinei, pensei nas saudades que posso sentir de patinar, se engravidar, mas também penso que aquele par de botas com rodinhas pode me salvar de mim e da queda que a frustração me causará, caso a fiv dê errado.
Mas, assim como pensei sobre a maratona do Pietro, a gente só sabe o que é viver algo, quando se VIVE. O que será nos próximos 10 km? Eu só vou saber em cada passo. Posso me programar, posso treinar, tenho feito isso, mas não posso ter controle exato ou certeza do próximo km.
E mesmo sem o controle total, ainda sim, vale a pena a maratona. 
Cada passada me põe na experiência seguinte e eu só vou. Mas assim sugeri ao Pe, vou optar por viver e me experimentar nessa maratona fiv.
Escutar cada sensação dessa experiência. 
Presente. Atenta. Experimentando deslizar, experimentando não estar fixa. Experimentando ser levada e na expectativa de que viva bons momentos ou, que no mínimo, saiba quem sou eu numa maratona como esta que estou vivendo.
Enquanto patino, enquanto vivo, vou pensando e olhando pra cada cantinho da minha maratona. 
E um desses canto, dói.
Assim como eu sabia que se o Pietro não terminasse a corrida doeria nele, mesmo que todos nós, que não estamos correndo, soubéssemos que o processo dele já foi muito bonito e que ele nunca mais será o mesmo depois de se experimentar na situação da maratona. Nele, não terminar a prova, ia doer.
Assim como vai doer dependendo de como terminar a minha maratona, mas... eu espero em algum momento, que fica escondido nos km pós elaboração da frustração, acessar a ideia que o processo já foi bonito e fez minha musculatura de vida ser diferente e melhor. 
Mas não há como me preparar, apenas viver.
E quem sabe, eu posso terminar minha maratona orgulhosa como o Pe? Conquistando o que desejo de coração e que tenho buscado e enfrentado.
Só saberemos ao fim dos meus 42km! 42km pros quais ninguém foi feito pra correr, mas por algum motivo, eu escolhi, como o Pietro, correr. 

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