sexta-feira, 3 de maio de 2024

Trabalho (entre delícias e dores)

 Trabalho diariamente atendendo pessoas. 

A cada horário, minha mente e meu corpo é um espaço.

Nele entram e saem história. Ser terapeuta é permitir que a história do outro, a narrativa dele, seja o que demais importante você irá se ocupar num espaço de quase uma hora. É utilizar sua mente, mas também as emoções do seu corpo para compreender e traduzir uma série de conteúdos embaralhados, confusos, estranhos, contraditórios, ou simplesmente uma série de conteúdos que associam na narração, mas que trazem em sua linha outras histórias.

Quando atendo, percebo que sou levada para outros tempos. Alguns mais presentes outros distantes. Alguns pacientes me projetam pra um futuro, com eles faço planos. Outros me levam lentamente pra um passado com cheiros, sabores, sensações que compartilho. 

Não raramente quando atendo, sou levada à locais, que visualizo, locais que pertencem a cidade onde vivo, locais que pertencem a locais por onde vivi ou passei. Parece que quando contam a historia se referem aquele lugar. 

Com frequencia, quando o que sinto me dói, sinto que pacientes me pegam pela mão, me levam para dobras no tempo, me convidam pra outras dimensões e lá, a minha dor deixa de existir. Ou porque as fantasias deles são mais agradáveis ou porque doem mais que as minhas. 

Vivo também de acolher trabalhadores que sofrem. Me mobilizo. Me irrito. Me emociono ou revolto. O que os atinge, mexe com meu corpo. Por vezes, os pacientes me dizem: Sabia que faria essa cara! Imaginei que ia se incomodar. Eu precisava te contar, porque iria me entender.

Nestes anos ouvi muitas histórias de violências no trabalho. Por muitas vezes dialoguei sabendo que deveria ser difícil estar no local de trabalho vivendo aquela situação. Em alguns momentos, me lembrei das vezes em que não me senti bem estando num local, companhia, desempenhando uma tarefa, enfrentando, vivenciando uma situação de trabalho.

Há dias vivo isso novamente. Um problema recente no trabalho me tirou o chão. Fez meu corpo paralisar e treme: de raiva, de tristeza, decepção, medo, desejo de reagir. Não pude! Como tantas vezes expliquei, diante da situação onde no mundo animal a saída seria luta ou fuga. Humanos simplesmente silenciam.

Silêncio.

Chorei. Reclamei. Pensei. Falei. Tentei digerir. 

Meu silêncio inicial foi por não compreender. O que é tudo isso? 

Meu segundo silêncio foi em busca de cura. Me aquietei pelo que doía.

O próximo silêncio foi por raiva. Agora terão somente o meu silêncio e por ele farei justiça.

O silêncio seguinte estratégia. Melhor silenciar do que me expor.

O novo silêncio foi por pena pela perda de tudo o que fez sentido um dia.

E assim sigo. Vejo a história perder partes pelos dias passando.

Vejo a raiva, o medo, a tristeza se aquietarem também pelas partes da história perdida.

Queria até registrar pra não esquecer o que doeu:

Você me testa!

Você me ataca!

Você não escuta o que diz!

Você me desqualifica!

Você não se conhece!

Você não sabe quem você é!

Tudo isso, veio de quem eu MENOS ESPERAVA.

Meu porto seguro não só balançou, ele me lançou, ele me jogou.

Cada situação difícil me remete a voo no espaço.

Eis que fui lançada em mais um voo, desavisada. Sem recursos para lidar, porque não esperava.

Dessa vez, no local de trabalho.

A vergonha também me habitou.

Ela me visitou. Devia ter tido postura? Clareza? Frieza? Racionalidade?

Devo ter. Devo silenciar mais e entregar ao mundo apenas conteúdos processados e não as minhas emoções puras. Devo processar como realizo em consultório? Posso ser eu? 

Errei. Preciso me proteger. Preciso ter uma postura/posição/abrigo de mim em mim.

Pra quem sabe não ser lançada no espaço.

Tenho há tempos a sensação de que estou num espaço que não me cabe ou faz bem.

Sinto que está tóxico. Sinto que me rouba mais do que me acrescenta.

Agora, estou as voltas com um projeto, um sonho pra sonhar. Um lugar pra estar.

O bom a ser encontrado.

Mas por hoje, silencio e observo. Espero as respostas do tempo.

Ah! As respostas do tempo, são um pouco de bom pelo caminho, assim espero.

Enquanto isso, me conecto ao próximo paciente para fazer o que mais amo, ser convidada por alguém que me dá a mão e me leva pra algum lugar pra sonhar.



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