domingo, 4 de agosto de 2024

Tanta coisa…

 Há tempos os comportamentos dela (Paçoca) não são mais de uma menina. Ontem me peguei pensando, os 17 anos que hoje pesam uma tonelada ao corpinho da Nina também cravaram mudanças em mim. Ela esteve comigo dos 23 aos 40 anos e parece se despedir às vésperas dos meus 41. 

Adotei ela quando era recém formada e no começo do meu primeiro namoro. A ideia era que ela fosse preta (inteira! Mas isso praticamente não existe). A ideia era que pudesse ser macho, pra não castrar (não recomenda-se ter macho em apartamento kkkk). Choro numa casa com filhos repensadas por pet shop aleatório e encontro um gato amarelo tipo Garfield e disse: Quero ele! (Já estava adotado) e a moça sugere tem essa e aquela ali. Um pisco de gato, sentada num carro conversível da Barbie, da filha da dona de uma casa altíssimo padrão em Marília. Então, tiro a Barbie do luxo e levo pros prédios universitários da Famema. 

Agendo um banho (coisa q n podia pra filhote de 45 dias) no pet shop da zona sul (novo desbloqueio de humildade) e trago pra casa. 

Coloco pra dormir no chão ela sobe no sofá. Coloco de novo e ela sobe de novo. Daí por diante foram sequências de certezas sendo quebradas. 

Ela, uma pentelha incondicional, passava muitos minutos da sua vida, de castigo, presa na minha mãe, segurando-a pela barriguinha, esperneando, ainda sim querendo me morder. Fofocou a vida dos vizinhos pela janela, quase caiu dela e da sacada qdo no cio. Quase me enlouqueceu no cio e eu tentando estudar pra concurso. 

Só aceitava a dose de carinho q queria, após cansaço de tanto afeto, me mordia, do tipo: Chega, Daniela! Já deu! 

Brincava de esconde esconde. Rabiava com as patas de traz pela casa, como uma chinchila. Respondia com miados a assobios. Respondia com miados às minhas falas ou aos nossos miados. Ia pra minha mãe e dominava o quintal e o quarteirão como se fosse gata de rua!

Mas a principal atividade era me seguir, perseguir, me acompanhar, me caçar, me mastigar, me arranhar, correr na minha frente e retornar. Subir no meu colo qdo eu tava no vaso, estar do lado no banho, na cozinha, deitada enquanto limpava a casa no meio do lixo varrido pela vassoura, dentro do armário de roupas q eu organizava.

Deu uns perrengues fazer ela ser gata de rua de vez e quando mas ela tbm foi. 

Na última semana brincou comigo e com o Theo em uma barraca. Brincou com ele na banheira. Fugiu de casa umas 3 vezes pra dar rolê no jardim da Miriane. 

Mas mesmo com as últimas atividades das últimas semanas ela não era tão menina mais. Eu também n sou. Me dei conta de que ela esteve comigo nos 20 anos de maiores transformações da minha vida. De recém formada, de Famema e o peso da Psico hospitalar, de solteira e recém namorando, dos problemas do término do meu primeiro namoro, da minha solteirice feliz, do mestrado. Depois, do meu namoro com o Cá, com a solidez dos diversos trabalhos, do casamento, da chegada do Theo, da maturidade dos quarenta anos.

Eu também não sou a mesma. Meu corpo também mudou. Assim como o dela. Ontem, definido não mais como: gatinha “raça rara, rajada de cinza, preta e branca” mas ironicamente com o mesmo problema q tenho em nível severamente avançado : DRC, com creatina de 8 sendo o normal 1.8. 

Ontem, ao chamá-la e quase n obter resposta. Percebi mesmo q ela mudou. O tempo pesou. Os sintomas também. Pesou pra ela, pesou em mim. Ela n se mexia, recebeu meu carinho ininterruptamente e só esboçou um leve desconforto, uma sombra do antigo: Chega, Daniela! Já deu! - Tentei respeitar. 

Ontem senti uma solidão. Me senti sozinha, pequena e incapaz. Vim pela estrada após visitá-la, sem chão. Qual decisão tomar pra ser mais justa com vc. 

Fiquei pensando q o vazio e a falta estão sempre aqui.! Somos sozinhos. As grandes decisões são vividas em solidão. 

Acho que me sinto sozinha n só por n ter alguém comigo nessa hora. Mas acho que talvez a presença dela tenha me dado a falsa impressão que não era.  Me acompanhando tanto pela casa, por anos, pela vida. 

Talvez eu tenha que me acostumar com os vultos que enxergo dela pela casa, ao redor do meu pé, quando entro pela casa, arrumo coisas na cozinha ou vou ligar o chuveiro cuidando pra q ela n se molhe, até entender que ela não estará mais aqui, até entender que ela só estará dentro de mim. 

Talvez esses dias doente, quieta, sejam o último ato da minha parceira de apego pra q eu me acostume a n tê-la, tendo a parcialmente, quietinha, deitada, no soro.

Até entender que os miados que as vezes  me irritavam fazem uma falta absurda. Até entender que sigo pros quarenta e uns sem ela, pq afinal de contas é como se ela dissesse: Chega, Daniela! Já deu! 

E embora, como acontecia no carinho, pra mim, não fosse suficiente, eu juro que tô tentando respeitar, Paçoca, eu juro! 


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